Um brinde ao menino Biro


Por Edmar Conceição

          Numa dessas tardes, folheando alguns livros antigos, caiu, no meu colo, uma fotografia esquecida. Na verdade, quase todas minhas fotografias são esquecidas, são guardadas sem muito zelo em pastas distantes e avulsas. Mas confesso que me contagiou o retrato daquele moço sorridente, ansioso para fazer um embarque de quase vinte anos atrás.
         Olhei diversas vezes aquele rapazola andarilho e me esquivei do espelho durante um bom tempo, receava encontrar um olhar sem horizonte e um riso atroz, apequenado. Mal findava aquela tarde e senti, pela primeira vez, o risco de minha juventude se desbotar como um pôr-do-sol melancólico, desses que fazem nossa alma garoar e se recolher. Lembrei-me da voz rouca de Álvaro Perez: “Tempo, me deixa em paz”!
         Com a penumbra cada vez mais se aproximando, fui para o quintal, talvez tentando me esconder do próprio desalento. Foi inútil. Meu antigo tablado não tinha mais o frescor do bugarim, nem a tangerineira que me servia o sabor e a sombra daquele meu pequeno reinado. Éramos, naquele momento, apenas um vão cimentado que, inevitavelmente, se escurecia.
         Todavia, quando avistei a muda de sapoti que Álvaro Perez deu para meu filho, em nosso último encontro, provocou-me a lembrança de um “poeminha” de Vinícius de Moraes que aprecio muito: “Parece mentira de tão esquisito: mas sobre o papel, o feio mosquito, fez sombra de lira!”. Rompeu-me um alumbramento, vi o menino Biro saindo do casulo, atiçando suas borboletas cênicas, poeticamente coloridas, acreditando na possibilidade do acriançamento.
         Engraçado... neste mesmo quintal, Álvaro Perez e eu, prometemo-nos um belo brinde quando o pé de sapoti crescesse e ofertasse seus primeiros sabores. No início, Biro recuou e, fazendo cálculos, achou que fosse uma empreitada arriscada. Contudo, tranquilizei-o. Celebraríamos nem que fosse noutras dimensões, noutros encantamentos. Jamais esquecerei sua gargalhada boêmia, quando ele disse que, neste dia, beberia vodka com gelo. Viva a deixa de Gabriel García Márquez: “a idade não é a que a gente tem, mas a que a gente sente.”!.
         Como diria o poeta (Manoel de Barros) que Biro e eu gostamos: “do lugar onde estou já fui embora” e o “escurecer faz ascender os vaga-lumes”. Naquela noite, já estrelada, percebi que o devir era melhor que a nostalgia e deixei aquele moço bonito, da foto, entrar no seu ônibus e viajar em paz. Entrei no meu quarto, ri da limitação acostumada do espelho e rabisquei uma bela prece ao menino Biro,